長谷川祐弘氏「インドネシアが東ティモールの独立を妨げずに受け入れたことは、東ティモール平和構築が成功した大きな要因の一つである」

©Carlos Manuel Martins/Global Imagens


Leonídio Paulo Ferreira
13 Outubro 2018 — 00:02


Vamos começar pela sua experiência pessoal em Timor-Leste onde foi representante especial do secretário-geral da ONU nos primeiros anos pós-independência. Na sua opinião, a antiga colónia portuguesa a partir de 2002 tem sido uma história de sucesso, um bom exemplo de manutenção e construção da paz, de triunfo do direito internacional e da importância da ONU?

 Sim, Timor-Leste é um caso de sucesso na assistência da ONU, porque são os próprios líderes do país que querem construir a paz. As Nações Unidas apenas ajudaram a construir a paz. Se o povo e os líderes de Timor-Leste não quisessem a paz, não era possível construí-la.

Está, portanto, a elogiar pessoas como Ramos Horta, Xanana Gusmão ou Mari Alkatiri como sendo líderes sábios?

 Sim, penso que Xanana Gusmão é uma referência para o seu povo, ele quer que o seu povo o ame tanto quanto ele o ama. Quanto a José Ramos-Horta, é uma referência para a comunidade internacional; ele está comprometido com a defesa universal dos direitos humanos. Mari Alkatiri é diferente, é um advogado, é um intelectual, por isso está muito comprometido com o pensamento racional, com o raciocínio. Portanto, estes três líderes são diferentes, mas uma coisa que têm em comum é estarem todos empenhados no interesse nacional de Timor-Leste.

Foi uma surpresa para si a forma como Portugal e a Indonésia, a resistência timorense e a comunidade internacional concordaram numa solução para Timor-Leste via referendo de 1999?

 Sim, eles acabaram por chegar a acordo, e penso que devemos reconhecer a vontade da Indonésia de aceitar Timor-Leste porque eles podiam ter sabotado a independência do país, mas acomodaram o novo Estado. Encontrei-me com Susilo Bambang Yudhoyono, ele estabeleceu uma boa relação com Xanana Gusmão e tornaram-se irmãos. A reconciliação foi possível porque os líderes timorenses não culparam os soldados indonésios por todas as coisas más que aconteceram e, também, porque os indonésios aceitaram Timor-Leste.

Pela sua experiência em Timor-Leste diria que a herança portuguesa é importante para a construção da identidade nacional do país?

 Sim, sim, muito. Penso que eles queriam ter uma identidade e, ao mesmo tempo, manter a sua própria herança cultural, o que está muito em linha com a cultura timorense de tolerância. Os portugueses são diferentes de outros povos europeus, vocês são mais acomodados, não tentam forçar, impor a vossa própria vontade e a vossa própria conceção de colonizadores; vocês são mais tolerantes do que outros países. Isso é bom, o povo timorense ainda olha para Portugal como para um irmão mais velho. Isto é importante porque, muitas vezes, como colonizadores ou ocupantes, tentamos impor o nosso sentido de justiça; a justiça, segundo a nossa própria conceção, pode estar certa para a nossa própria sociedade, mas pode não ser tanto assim para outra. Há também o desenvolvimento histórico: não se podia impor uma democracia no Portugal de há 300 anos [risos]. Os países agora em desenvolvimento têm de transformar, de certa maneira, as suas sociedades em 20 ou 30 anos, tal como fizeram os países ocidentais em 200 ou 300 anos, mas temos de nos certificar de que eles têm as suas primeiras necessidades satisfeitas – como seres humanos e como sociedade -, e são elas: a estabilidade e a segurança.

E para si, que começou como funcionário internacional em 1969, as Nações Unidas são cruciais para isso?

 Cruciais. A ONU é fundamental porque tenta acomodar a cultura não apenas de um país, mas de todos os países juntos, e tenta encontrar a melhor solução, que é difícil de atingir, mas agimos depois de estabelecido o que é bom para toda a gente.

Se tivesse de avaliar a ONU nestas sete décadas desde a fundação, daria uma nota muito positiva?

 Sim, daria. As Nações Unidas conseguem muita coisa, num sentido em que muitas pessoas não se apercebem. Por exemplo, sem a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO – sigla em inglês), sediada no Canadá, os aviões não podem voar; sem a União Postal Universal (UPU), não podíamos trocar as nossas cartas, o que fazemos é aproximarmo-nos. No Japão, há 200 anos, abrimos o nosso país, porque descobrimos que se não caminhássemos juntos tínhamos dezenas de pequenos Estados. Eles não podiam continuar a lutar entre si, tinham de se unir, senão seriam conquistados pelos ocidentais. Agora, o que acontece é que não temos invasores vindos de Marte ou de Júpiter para nos atacar, mas temos a globalização e a tecnologia como desafios comuns e, se não caminharmos juntos, não conseguimos gerir e controlar esse avanço tecnológico global para nosso benefício. O poder nuclear é um exemplo: se não o conseguirmos gerir, os terroristas apoderam-se dele. Assim, isso é uma coisa que as Nações Unidas podem fazer, perceber como podemos caminhar juntos. Sei que a administração americana – Donald Trump hoje – não quer a governança global, mas temos de caminhar em direção a ela.

Nasceu durante a Segunda Guerra Mundial e a sua infância foi durante a recuperação económica milagrosa do Japão, hoje terceira potência em termos de PIB. As suas memórias da guerra e do período pós-guerra moldaram a forma como vê o mundo?

 Sim, sim, muito, porque nós fomos totalmente destruídos pelos bombardeamentos, atómicos e outros. Ficámos sem nada, tínhamos fome e tivemos de procurar a comida e tudo o resto, mas trabalhámos muito e, desta vez, dissemos: temos de aprender com as lições. Antes havia os Estados-nação, mas percebemos que tínhamos de avançar na direção das Nações Unidas, o preâmbulo da Constituição japonesa está muito em linha com a Carta das Nações Unidas. Depois da guerra, o Japão disse: não vamos perder as nossas forças armadas para a solução do desmantelamento, por isso mandámos as nossas forças da manutenção da paz e juntámo-nos ao corpo das Nações Unidas. O povo quer manter as coisas assim. Claro que o atual governo, o senhor Shinzo Abe, quer mudar a Constituição de modo a podermos dar uma contribuição militar maior às Nações Unidas, mas não tenho a certeza de que o povo gostasse de fazer isso. Mas esta é uma questão em cima da mesa, porque o primeiro-ministro quer mudar a Constituição, ele tem mais três anos garantidos no poder e esse é o seu sonho.

Em relação ao papel do Japão na ONU: o Japão quer ser um membro permanente do Conselho de Segurança. Concorda?

 Eu penso que o Japão deve ser membro do Conselho de Segurança, porque atualmente o Japão aborda a paz internacional de uma forma diferente dos Estados Unidos, da Rússia, etc. O Japão quer ter segurança e paz não através das forças armadas, mas da cooperação, e isto é uma diferença porque, no passado, pensávamos que apenas umas forças armadas fortes conseguiam estabelecer a paz, mas descobrimos que a força militar cria mais competição. O Japão continua, através das Nações Unidas, a lutar pela paz e pelo desenvolvimento em África, no Médio Oriente e noutros lugares e acho que devemos continuar, se todos os países fizessem isso penso que não teríamos o tipo de problemas que temos agora. Se abordássemos o Iraque ou a Síria através das Nações Unidas não teríamos tantos refugiados.

É da opinião que, no futuro, o Conselho de Segurança terá de admitir também países como o Brasil e a Índia como membros permanentes?

 Sim, sim. Eu reportei ao Conselho de Segurança quatro vezes e descobri como o Brasil e a Índia são importantes. Porque eles têm uma perspetiva diferente da paz, veem-na de forma diferente.

Pensa, portanto que o Japão, o Brasil, a Índia devem ser membros do Conselho de Segurança?

 E a Alemanha também, estes quatro países e possivelmente um de África. A principal razão por que não conseguimos fazer uma reforma do Conselho de Segurança dez anos atrás foi porque os africanos queriam dois lugares permanentes, mas o total da população de África é inferior à da Índia. Assim, os africanos vão ter de aceitar também que só poderão ter um país.

É difícil escolher qual?

 Etiópia, Nigéria, África do Sul… é difícil a escolha, mas penso que agora, com a União Africana, vai resolver-se gradualmente.




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 This is an English version of an interview held by Leonidio Paulo Ferreira, Reporter of Portuguese Daily Newspaper Diário de Notícias. It contains additional information to facilitate understanding of the answers to questions posed. For original text in Portuguese language, please see here.


Q: Let’s start with your personal experience in Timor-Leste where you were special representative of the UN Secretary-General in the early post-independence years. In your opinion, what happened in the former Portuguese colony since 2002 has been a success story, a good example of maintaining and building peace, a triumph of international law and the importance of the UN?

A: Yes, Timor-Leste is a success story of UN assistance, because it is the country’s own leaders who wanted to build peace. The United Nations only helped them to build peace. If the people and leaders of East Timor did not want peace, it was not possible to build it.

Q: Are you therefore praising people like Ramos Horta, Xanana Gusmão or Mari Alkatiri as being wise leaders?

A: Yes, I think that Xanana Gusmão`s reference was his people, he wanted his people to love him as much as he loved him. As for José Ramos-Horta, his reference was the international community, particularly the United Nations. He was committed to the defense of universal values such as human rights. Mari Alkatiri was different, he is a lawyer, he is an intellectual, so he is very committed to rational thinking, with reasoning. Therefore, these three leaders are different, but one thing they all have in common is that they are all engaged in pursuing the national interest of Timor-Leste.

Q: Was it a surprise to you how Portugal and Indonesia, the Timorese resistance and the international community agreed on a solution for Timor-Leste via a 1999 referendum?

A: Yes, they came to an agreement, and I think we should recognize Indonesia’s willingness to accept East Timor because they could have sabotaged the country’s independence but accommodated the new state. I met Susilo Bambang Yudhoyono, he established a good relationship with Xanana Gusmão and became brothers. Reconciliation was possible because Timorese leaders did not blame the Indonesian soldiers for all the bad things that happened and also because the Indonesians accepted Timor-Leste.

Q: From your experience in Timor-Leste would you say that the Portuguese heritage is important for the construction of the country’s national identity?

A: Yes, a lot. I think they wanted to have an identity and at the same time maintain their own cultural heritage, which is very much in line with the Timorese culture of tolerance. The Portuguese are different from other European peoples, you are more accommodating, you do not try to force, impose your own will and your own conception of settlers; you are more tolerant than other countries. That’s the good reason why the Timorese people still look to Portugal as an older brother. This is important because, often as settlers or occupiers, we try to impose our sense of justice; justice, according to our own conception, may be right for our own society, but may not be so much so for another. There is also historical development: one could not impose a democracy in Portugal 300 years ago [laughs]. Developing countries must transform their societies in some way in 20 or 30 years, while the Western countries had taken 200 to 300 years to do so, but we must make sure they have their first needs fulfilled as human beings in society: that means social stability and security.

Q: And for you, who started as an international official in 1969, is the United Nations crucial to that?

A: Crucial. The UN is fundamental because it tries to accommodate the culture (and norms) of not only one country, but of all countries together, and tries to find the best solution, which is difficult to achieve, but we act after establishing what is good for everyone.

Q: If you had to evaluate the UN in these seven decades since the foundation, would you give a very positive note?

A: Yes, I would. The United Nations achieves much in a sense that many people do not realize. For example, without the International Civil Aviation Organization (ICAO) based in Canada, aircraft cannot fly (without colliding); without the Universal Postal Union (UPU), we could not exchange our letters, what we do is come closer.
In Japan, 200 years ago, more than 250 independent han or clan states existed in Tokugawa Japan. The Japanese han states had to stop fighting among themselves and unite, ss the Western powers had colonized most parts of Asia and finally reached Japan in the 1850`s. The last Shogun, Tokugawa Yasunobu, transferred his power to the newly established government of Japan which abolished the independent han states of governance and unified the country.
What is happening now in the world is that we do not have invaders from Mars or Jupiter to attack us, but we have globalization propelled by rapid advance in technology challenging us to work together and form a new system of global governance. If we do not work together, we cannot manage and control this global technological breakthrough for our benefit. Nuclear power is an example: if we cannot manage it, terrorists will seize it. So, this is something the United Nations can do, realize how we can work together. I know that the US administration – Donald Trump today – does not want global governance, but we have no choice but to move towards it.

Q: He was born during World War II and his childhood was during the miraculous economic recovery of Japan, now third power in terms of GDP. Did your memories of war and the postwar period shape the way you see the world?

A: Yes, yes, a lot, because we were totally destroyed by bombardments, atomic bombs and others means. We were left with nothing, we were hungry, and we had to look for food and everything else, but we worked hard and this time we said: we must apply the lessons learnt from the past. To overcome the endless conflicts and wars among nation-states, we realized that we should adopt the principles of governance as enunciated in the preamble of the UN Charter. The Japanese Constitution was made very much in line with the Charter of the United Nations. After the Second World War, Japan said: we will not use our armed forces to solve international disputes. So, we sent our self-dense forces to participate in the United Nations peacekeeping operations, but they have never been allowed to use their weapons except for self-defense. The people want to keep things that way. Of course, the current government, Mr. Shinzo Abe, wants to change the Japanese Constitution so that we can make a greater military contribution in alliance with the United States, but it is not certain that the people would accept any change in Article 9 of the Japanese Constitution. This is a question on the table because the prime minister made it his top priority task to change the constitution as he has just received a mandate for three more years.

Q: Regarding Japan’s role in the UN: Japan wants to be a permanent member of the Security Council. Do you agree?

A: I think Japan should be a member of the Security Council, because Japan currently addresses international peace in a different way from the United States, Russia, etc. Japan wants to have security and peace not through the armed forces but through cooperation, and this is a difference because, in the past, we thought that only a strong military could establish peace, but we find that military forces create more competition. Japan continues through the United Nations to fight for peace and development in Africa, the Middle East and elsewhere and I think we should continue, if all countries do this I do not think we would have the kind of problems we have now. If we approached Iraq or Syria through the United Nations, we would not have so many refugees.

Q: Do you think that, in the future, the Security Council will also have to admit countries like Brazil and India as permanent members?

A: Yes. I reported to the Security Council four times and found out how important Brazil and India are. Because they have different perspectives of peace, they see it differently.

Q: Do you think, then, that Japan, Brazil, India should be members of the Security Council?

A: And Germany too, these four countries and possibly one of Africa countries. The main reason we failed to reform the Security Council ten years ago was because Africans wanted two permanent seats, but Africa’s total population is smaller than India’s. So, Africans will have to accept that they can only have one permanent members.

Q: Is it difficult to choose which one?

A: Ethiopia, Nigeria, South Africa… it is difficult to choose, but I think that now, with the African Union, this issue should be resolved among them gradually.

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